Tradução: Leiko Gotoda Editora: Alfaguara Brasil


Resumo

Sempre gosto de deixar claro que não sou um profissional da área, e também passo longe de tratar o meu gosto pela leitura como uma religião (cheio de regras, liturgias, análises técnicas, etc), acho que a ignorância me favorece, neste sentido, a desenvolver uma leitura livre de pré-conceitos e paradigmas a quem é especializado em literatura (mais ou menos o que faço quando analiso música, minha área de atuação). Já li muitas críticas a respeito do autor, e acredito também que o fato dele ter se tornado extremamente popular pode “enviesar” o teor dessas análises.

De qualquer forma, voltando para o livro, achei a leitura extremamente agradável e nenhum pouco entediante. Mesmo algumas passagens que achei desnecessárias eram divertidas de ler. Dois personagens principais dividem a atenção da estória alternando os capítulos, uma hora estamos lendo em primeira pessoa as aventuras de Kafka Tamura e no capítulo seguinte do Nakata. Apesar de tudo estar ao redor desses dois personagens, o que mais gostei do livro foram os coadjuvantes, principalmente Oshino, o caminhoneiro que ajuda Nakata a realizar todos as suas aventuras/objetivos.

Oshino é um caminhoneiro comum, que teve uma infância super problemática e se tornou uma pessoa que gasta todo o seu dia somente trabalhando (como a maioria de nós). Quando ele decide acompanhar Nakata, começa a ter tempo para ter outras experiências que não se relacionam ao trabalho na sua vida. Coisas simples como ir ao cinema, ouvir e se emocionar com uma música e ler livros. Acho que Murakami trabalha um ponto super importante nas nossas sociedades atuais capitalistas, que o proletário não tem tempo para se tornar uma pessoa diferente do mero produtor e escravo do patrão. Eu, como músico e professor de música, sempre defendo que uma pessoa só pode criar o hábito e o gosto por algo a partir de uma longa exposição, ou seja, se você é exposto 24h para a música comercial, esse provavelmente será o seu gosto, e assim por diante. Por isso é muito bonito ver como Oshino tem sua vida transformada e começa a dar valor, entender e refletir sobre a sua trajetória, coisa que nunca tinha feito antes (o que acontece com uma boa parte da população atual que não possui tempo a não ser para trabalhar).

Como nem tudo é perfeito, existem diversas passagens que, para mim, soam mais como pornográficas do que eróticas. Em alguns momentos sinto que foram desnecessárias, porém não sei se essa minha impressão se dá por um aspecto cultural meu (brasileiro). Realmente não tenho conhecimento se os japoneses abordam esses temas com uma naturalidade maior do que nós. De qualquer forma não me senti incomodado por isso no livro.