Tradução: Carol Bensimon Editora: Todavia
Resumo
A trama das árvores é um daqueles livros para a vida toda, de cabeceira, para retornar inúmeras vezes e não deixar o tempo apagar as lembranças e sentimentos que surgem através da leitura. Powers desenvolve uma trama que envolve a estória de vários personagens, a princípio sem conexão entre eles, e que percorrem algumas gerações. Na primeira parte do livro as conexões são entre os personagens e as árvores, a forma como cada história está vinculada a uma árvore é encantadora, profunda e muito familiar. De cara me senti conectado com isso. Na casa onde cresci em Porto Velho - RO, minha vó plantou uma jaboticabeira no dia em que minha mãe nasceu e eu nasci no dia que ela deu o primeiro fruto. Esse fato marcou minha vida enquanto vivi em Porto Velho, mas caiu no esquecimento a ponto de só me lembrar quando li o livro.
Na segunda parte as histórias dos personagens começam a se cruzar e criar raízes a partir de um ativismo em relação à proteção ambiental, contra o desmatamento.
Um dos personagens parece estar um pouco deslocado da trama, Neelay, um menino que se tornou paraplégico após cair de uma árvore é um gênio da informática que criou um jogo que virou sucesso no mundo e o tornou milionário. Porém conforme vamos evoluindo na história percebemos como o jogo de Neelay reflete um impulso humano por progresso sem nos preocupar com a sustentabilidade do mundo, uma analogia perfeita para a história que acontece no livro e na vida real.
O livro é enriquecedor também a respeito de termos técnicos e conhecimento sobre as árvores e a natureza, tenho diversas anotações sobre todos esses aspectos, assim como criei uma lista com o nome de todas as árvores citadas, e impressionante como desconhecemos por completo aquilo nos promove a vida.
Li vários relatos de leitores com depoimentos de como o livro tinha mudado a percepção a respeito das árvores. Comigo não foi diferente, me senti extremamente envolvido e motivado a pesquisar e entender mais sobre esses seres tão maravilhosos e ancestrais.
O livro traz diversas reflexões, mas a que marcou muito é que nós somos seres temporários, com uma vida curta, e que as árvores são milenares, elas continuarão por aqui e encontrarão novos caminhos para prosseguir.
O trecho abaixo é uma das minhas passagens favoritas do livro:
“Digamos que o planeta nasceu à meia-noite e que roda por um dia.
Primeiro, não há nada. Duas horas se perdem com lava e meteoros. A vida só aparece às três ou quatro da manhã. Mesmo a essa altura, são apenas os pedaços mais rudimentares de autorreplicação. Do amanhecer ao final da manhã — um trilhão de anos de ramificações, tudo o que existe são células simples e singelas.
Então, há tudo. Não muito depois do meio-dia, algo turbulento acontece. Um tipo de célula simples escraviza algumas outras. Os núcleos ganham membranas. As células desenvolvem organelas. O que antes era apenas um lugar com um único acampamento agora se torna uma cidade.
Já passaram dois terços do dia quando os animais e as plantas se separam. E a vida ainda é unicelular. O dia cai antes que a vida complexa tome conta. Todos os grandes seres vivos chegam tarde, depois que o céu escurece. As águas-vivas e as minhocas vêm às nove da noite. Na virada da hora, a grande sacada acontece — espinhas dorsais, cartilagem, uma explosão de formas corporais. De um instante a outro, inúmeros novos ramos e troncos se abrem e enchem a copa.
As plantas chegam à Terra um pouco antes das dez. Depois, os insetos, que instantaneamente começam a voar. Momentos mais tarde, tetrápodes rastejam a partir da lama das marés, carregando na pele e nas entranhas mundos inteiros de criaturas primitivas.
Às onze horas, os dinossauros já fracassaram miseravelmente, deixando os mamíferos e as aves no comando por uma hora.
Em algum ponto dos últimos sessenta minutos, no alto do dossel filogenético, a vida se torna consciente. Criaturas começam a especular. Animais começam a ensinar seus filhos sobre o passado e o futuro. Animais aprendem a realizar rituais.
O homem anatomicamente moderno aparece quatro segundos antes da meia-noite. As primeiras pinturas rupestres surgem três segundos depois. E, um milésimo de um mover do ponteiro, a vida resolve o mistério do DNA e começa a mapear a árvore da vida.
Até a meia-noite, a maior parte do globo foi convertida em fileiras de cultivo para o cuidado e a alimentação de uma única espécie.
E é aí que a árvore da vida volta a se tornar outra coisa. É aí que o tronco gigante começa a balançar. “
Citações
- p. 115
De fato, Douggie tem cada vez mais certeza de que a maior falha da espécie humana é a incontrolável tendência de confundir um consenso com a verdade. O que mais influencia um corpo a acreditar em algo ou não é o que os corpos vizinhos estão transmitindo pelo rádio. Coloque três pessoas em uma sala, e elas vão concluir que a lei da gravidade é má e deve ser cancelada porque o tio de uma delas tomou um pileque e caiu do telhado.
- p. 122
As árvores caem em choques espetaculares. Mas o plantio é silencioso e o crescimento é invisível.
- p. 167
A fotossíntese é um milagre, ela diz aos alunos: uma façanha da engenharia química que sustenta toda a catedral da criação.
Toda a algazarra da vida na Terra pega carona nesse ato mágico embasbacante. O segredo da vida: as plantas comem luz, ar e água, e a energia armazenada fabrica e realiza todas as coisas.
- p. 168
A cada caminhada com a natureza recebemos mais do que estávamos procurando. O caminho mais claro para adentrar o universo é através de uma floresta selvagem.
- p. 179
Você e a árvore do seu jardim vêm de um ancestral comum.
Há um bilhão e meio de anos, vocês tomaram caminhos se-parados. Mas, mesmo agora, depois de uma imensa jornada em direções distintas, você e aquela árvore ainda compartilham um quarto de seus genes…
- p. 194
Ela pega a mão trêmula dele no escuro. A sensação é boa. como a que uma raiz deve ter quando, depois de séculos, encontra no subsolo outra raiz à qual se entrelaçar. Há cem mil espécies de amor, inventadas separadamente, cada uma mais engenhosa que a outra, e todas elas continuam fazendo coisas novas.
- p. 236
“É impressionante como as coisas loucas se transformam, uma vez que você começa a olhar para elas”
- p. 263
A seção sobre diagnóstico de esquizofrenia contém esta frase:
As crenças não devem ser consideradas delirantes se estiverem de acordo com as normas sociais.
- p. 284
Eles se batizam com nomes da floresta nessa noite, sobre um cobertor de agulhas, em meio ao gotejamento suave das sequoias-vermelhas. A brincadeira parece infantil, a principio. Mas toda arte é infantil, assim como todas as narrativas, toda a esperança dos seres humanos e todo o medo.
- p. 289
Ela fica de novo impressionada com o fato de que a suprema inteligência do mundo foi capaz de descobrir os cálculos e as leis da gravidade antes de saber para que servia uma flor.
- p. 405
Como eles ousam fazer isso? Como alguém ousa? Vou processá-los e pedir tudo o que eles têm. Mas todos os direitos e privilégios das leis trabalhistas estão do lado deles. A humanidade é um delinquente. A lei é um capanga.
- p. 434
“Você é psicólogo”, diz Mimi ao recruta. “Como convencer as pessoas de que estamos certos?”
O mais novo habitante de Cascádia morde a isca. “Os melhores argumentos do mundo não vão mudar a cabeça de uma pessoa. A única coisa que pode fazer isso é uma boa história.”
- p. 458
Eu não precisaria ser tão diferente para que o sol parecesse significar sol, para que o verde significasse verde, para que a alegria, o tédio, a angústia e a morte fossem o que são, sem a necessidade de qualquer clareza matadora, e então isso — isso, os crescentes anéis de luz, água e pedra - tomaria todo o meu eu, e seria todas as palavras de que eu preciso.
- p. 460
Mas as pessoas não fazem ideia do que é o tempo. Acham que é uma linha, se enroscando três segundos atrás delas, depois desaparecendo com a mesma rapidez nos três segundos de neblina logo à frente. Não conseguem entender que o tempo é um grande anel que envelopa outro e mais outro, cada vez mais para fora, até que a pele tão fina do Agora dependa da enorme massa de tudo o que já morreu.
- p. 564
Você não consegue ver o que não entende. Mas o que você acha que já entende, você deixa de perceber.
- p. 569
Você e a árvore do seu quintal vêm de um ancestral comum. Há um bilhão e meio de anos, vocês dois seguiram caminhos di-ferentes. Mas mesmo agora, após uma imensa jornada em direções separadas, você e a árvore ainda compartilham um quarto dos genes…
- p. 570
As vezes é difícil dizer se uma árvore é uma coisa única ou se é um milhão de coisas. A partir de que madeira, a partir de que árvore o céu e a terra foram feitos?
E, assim, ele me mostrou algo muito pequeno, do tamanho de uma avelã que, ao que parecia, estava na palma da minha mão. Era redondo como uma bola. Observei com os olhos do entendimento e pensei: “O que será isso?” E então me foi respondido: “Isso é tudo o que foi criado”.
- p. 640
Os gregos tinham uma palavra, xenia — amizade hospitaleira —, uma imposição de que era preciso cuidar de viajantes desconhecidos, era preciso abrir a porta para quem quer que estivesse do lado de fora, pois uma pessoa passando por ali, longe de casa, poderia muito bem ser Deus. Ovídio conta a história de dois imortais que vieram disfarçados à Terra para purgar o mundo doente. Ninguém os deixa entrar, exceto um casal de idosos, Filêmon e Báucis. E sua recompensa por terem aberto a porta a estranhos é serem convertidos em árvores após a morte — um carvalho e uma tília -, enormes, graciosas e entrelaçadas. Passaremos a nos parecer com aquilo que amamos. E aquilo com o que nos parecemos nos acolherá quando já não formos mais nós…